2 de novembro de 2017

Falemos de Aleppo

Marcel Fernandes


Imagem: detalhe de Aprendizaje por la vista (1979), de Fermín Eguía.

 
falemos das pinturas revolucionárias no muro em deraa
falemos dos adolescentes torturados pelas forças de segurança
falemos da primavera árabe se estendendo pelos países da região
falemos da resposta violenta do governo
falemos das armas que os civis tiveram que empunhar
falemos de como um confronto ganhou contorno de guerra
falemos das bombas, dos gritos, dos corpos no chão
falemos da febril imagem de uma criança morta
falemos das mais de quatrocentas mil pessoas mortas
falemos de aleppo
falemos de aleppo
falemos de aleppo

falemos também do brasil

falemos de itaberli lozano,
de 17 anos, homossexual morto pela mãe e queimado pois ela “não aguentava mais ele”

falemos de dandara dos santos,
de 42 anos, travesti apedrejada e morta a tiros, no ceará. "vários rapazes. um dava um chute  e outro uma pedrada. outro dava murros e outro bateu com um pau na cabeça dela”

falemos de alailton ferreira,
de 17 anos, vítima de um espancamento coletivo, em serra. “foi morto por pedras, barras de ferro e pedaços de madeira, por ser negro”

falemos de carla roberta barbosa,
de 9 anos, que foi estuprada e morta por renato mariano, em santos

falemos de fabrício junior,
de 25 anos, que tirou a própria vida, em belo horizonte, pois sofria com a intolerância por ser homossexual

falemos das últimas palavras de fabrício

"quero deixar minhas pegadas sobre as areias do tempo, sei que havia algo lá e algo que deixei para trás. quando eu deixar este mundo não vou deixar arrependimentos. vou deixar algo para lembrar, então eles não vão esquecer.
eu estava aqui
vivi, amei,
eu estava aqui.
fiz, concluí, tudo que queria. vou deixar minha marca para que todos saibam,
eu estava aqui.
quero dizer que vou viver cada dia até eu morrer e saber que eu tinha algo na vida de alguém, os corações que toquei serão a prova que deixo que fiz a diferença.”

ele esteve aqui
eles estiveram aqui
eles estarão sempre aqui



O poema foi publicado originalmente no blog A voz pública da poesia, um espaço que convida e acolhe manifestações sobre o momento presente.


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